domingo, 30 de maio de 2010

Entremeios

(...) Era todo entremeios. Buscava o silêncio oculto entre as palavras, a pausa rítmica entre uma e outra nota musical, o hiato entre as lufadas de vento nas folhas do parreiral. Descartava respostas, colecionava abissais interrogações, dado a odisséias. O chão em que pisava era falso de certezas, ladrilhado de dúvidas, plácido como um aquário. Se Deus aparecesse, negava-o; se permanecesse envolto em mistério, aleluia!

Fazia tempo aprendera a pescar o vazio. Para ele o que está dentro é fora e o que está fora é dentro, como nas pinturas matemáticas de Escher. Conhecia cada lado do círculo e, ao anoitecer, retribuía as piscadelas das estrelas e contemplava o Pluriverso. Seu cavalo galopava entre tufos de nuvens e, fazendeiro do ar, criava vacas metafísicas. Se fraquejava, alcançava; se tropeçava, se firmava; se retrocedia, avançava. Sabia abater o orgulho do mar e aplacar a fúria dos vulcões. Por querer tudo deixava-se atrair pelo nada, e na rota dos humilhados encontrava a exaltação.

Perseguia o que foge, ia devagar por ter pressa, devorava a casca e atirava o fruto às chamas. Toda a madrugada recolhia os sonhos num cesto de vime e, no quintal, dependurava-os no varal da perplexidade e deixava-os secar até se transformarem em realidade. Os pesadelos, triturava-os e dava aos cães. Porém, guardava as quimeras numa caixa de marfim revestida de seda, porque eram preciosas como os anseios que nele palpitavam.

(Entremeios / Frei Betto)

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